quinta-feira, 27 de maio de 2010

INQUISIÇÃO VOLUNTÁRIA

Nas noites em que não há sono, despertam também todas as imputações. O peso então me toma de assalto, o peso, não sei se da culpa, não sei se do medo. Medo da ingratidão, do dedo em riste, ameaçador, inquisitivo, a percorrer meus dias, a precipitar-se contra mim, enquanto abismo que agora me torno.
A luz se apagou sem que os aplausos viessem, a epopéia findou inglória e sem heroísmo. Eu tampouco pude intervir nesse roteiro que escrevi a mãos trôpegas e em linhas vacilantes. Nunca fui herói, nunca ví a bravura nem me deparei com a complacência. Também não suportei a conformidade de ser invisível, nem nunca fui tão leve a ponto de tornar-me peso morto. E nesse descaminho não admiti ser ignorado, por mais obsoleta que pareceu minha presença aos olhos de alguns. Carrego o peso, acato o fardo da labuta, sem apelações. A estrada me é penosa, e esforço-me tanto o quanto é preciso para acreditar que ela também é transitória. De meus vícios, de meus pecados sem anistia, a esses conheço bem, durmo e acordo com eles. Não os esqueço nem no intervalo do sono, nem no estupor do prazer. Mas deles apenas eu devo saber, só a mim interessam, quando num paradoxo me acolhem. Como se saber-me fraco, me fortalecesse mais. Isto posto, que não me cobrem a virtude que nunca exerci, assim como não desejo comer do trigo que não ajudei a semear. Sou aquilo que vêem, aquilo que falo, aquilo que amo e odeio, e até dos meus desacertos me orgulho. Sim, pois eles me impedem que eu me esconda atrás da capa fúnebre da hipocrisia, nem faça do infortúnio muro de lamentações. Oh, como seríamos melhores se não exigíssemos dos outros aquilo que de nós não podemos doar! Carrego sim meus pecados, minha indiferença, meu remorso. Sei da minha lágrima quando pôde ser sorriso, do meu silêncio quando pôde ser palavra, do meu cerrar de punhos, quando pôde ser afago. Levo-os comigo, e os acato, por mais que me dilacerem, pois só dessa maneira poderei ser melhor. Só assim posso aguardar até que o caminho se apresente mais calmo. Até que as virtudes e as cores escondidas também tenham lugar em minha paisagem.

Paulo Osorio
Campinas/SP - Brasil

Publicado no Recanto das Letras

Nenhum comentário:

Postar um comentário